PERSONALIDADES MARCANTES
THEODOMIRO CARNEIRO SANTIAGO. DR.
(01-12-1882  25-10-1936)

Theodomiro pertencia a famílias dos mais abastados e tradicionais agropecuaristas do sul de Minas. Do lado paterno estavam os respeitados Carneiro Santiago, senhores de grande número de escravos destinados ao desbravamento de extensas arroteias e no cultivo de cereais, tubérculos, cana-de-açúcar, algodão, tabaco e, mais tarde, o café. Era ainda o braço africano empregado no trato com as manadas de gado bovino e lanígero. Na estirpe materna destacavam-se os honrados Pereira e os Guimarães de avoengos portugueses, estabelecidos em várias localidades desta região, entre os quais fazendeiros e grandes comerciantes Araújo Guimarães, da então Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Pouso Alto, proprietários de tropas que transportavam produtos agrícolas, aguardente, álcool, fumo em corda, lã, couros, algodão e, mais tarde, também café para o Rio de Janeiro e Santos. Entre esses exportadores destacavam-se Manuel, Bernardo, Antônio, Joaquim e José de Araújo Guimarães, este último, bisavô materno de Theodomiro.

Elevada a "Freguesia" de Itajubá a Município com a Lei emancipadora de 27 de setembro de 1848, que concedeu à nossa terra toda a autonomia com a criação da Câmara Municipal, houve um histórico rebuli o entre os moradores do "novo Município" (assim textualmente a referida Lei já classificava Itajubá), que se tornou extenso pois passou a abranger, segundo o Art. 1°, as "Freguesias" do Espírito Santo dos Cunquibus (Cristina) e de São Sebastião da Capituba (Pedralva), os distritos de São Caetano da Vargem Grande (Brazópolis) e o da própria Itajubá (que incluía Piranguçu) e a "Freguesia" de Soledade de Itajubá (Delfim Moreira). Os maiorais dessas localidades sentiram a necessidade de uma reunião na sede do "novo Município". Nunca a pequenina Itajubá de então havia visto tanta gente graúda concentrada no Largo dos Passos, cavaleiros, animais e escravos que enchiam as ruas. Os ilustres itajubenses, piranguçuenses, cunquibusenses, capitubenses, vargem-grandenses e soledadenses respeitados e influentes se interessavam em ver cumprida integralmente a Lei emancipadora, e em saber em que mãos ficaria a administração do "novo Município". Aqui se viam, então, venerandos varões da Vila recém-criada, e muitos dos residentes nos distritos que acabavam de ser desmembrados de Campanha para constituírem a grande Itajubá, cidadãos íntegros e de envergadura moral, entre os quais o advogado Joaquim Delfino Ribeiro da Luz (que seria Conselheiro do Império, Governador de Minas Gerais e Ministro da Justiça, Fazenda, Marinha e da Guerra, apesar de civil), Dr. Domiciano da Costa Moreira (médico, filho do Padre Lourenço, o fundador de Itajubá), José Manuel dos Santos Pereira (fazendeiro no Rio Manso, e que seria o avô paterno do grande e humanitário cientista Dr. Vital Brazil, filho de pai itajubense), Antônio José Dias Pereira (agropecuarista na Vargem Grande), Henrique José de Faria (de Soledade de Itajubá), o abastado Caetano Ferreira da Costa e Silva (um dos fundadores de São Caetano da Vargem Grande), João Martins Tosta (agropecuarista na Vargem Grande) Joaquim Pinto de Noronha, Felizardo Ribeiro Cardoso (o fundador de Piranguçu), José Caetano Grillo, José Martins Tosta Sobrinho (da Vargem Grande), José Bernardino de Noronha, Cândido Rebelo de Araújo Palhares (advogado) e cerca de duzentos outros ilustres e acatados representantes da grande Itajubá. Numa tarde dos meados de outubro de 1848 houve no Largo dos Passos (ora Praça Theodomiro Santiago), a memorabilíssima reunião para a escolha democrática de um provecto chefe para dirigir todos os trabalhos e movimentações necessárias para dar cumprimento à Lei emancipadora de 27 de setembro. Ao discurso de Joaquim Delfino, em que expôs esplendidamente o objetivo da reunião (oração histórica encontrada entre os papéis deixados pelo Conselheiro e Ministro cristinense), seguiu-se a entusiástica aclamação com a qual a nata popular, com vibrantes aplausos e prolongado vivório, pediu para isso, o concurso e o sacrifício do Comendador João Carneiro Santiago. O venerando varão, entre a escolha a "una você" dos eminentes munícipes, não teve forças para declinar dessa honrosa missão.

João Carneiro Santiago tornou-se amigo e um dos súditos de maior confiança de Dom Pedro II, que o recebia com honras em Palácio. Além da admiração que o Imperador lhe votava, devia-lhe muitos favores de ordem política. E foi em Palácio que João Carneiro Santiago recebeu de sua Majestade a dignificante Comenda da Ordem da Rosa, com a qual a Coroa o tornava Comendador. o novo Comendador nasceu na fazenda paterna dos Cunquibus em 1802, e faleceu em 30-01-1883. Está sepultado em Cristina. Era filho do Alferes Manuel Carneiro Santiago e de D. Ana Francisca de Freitas, que, portanto, foram bisavós paternos de Theodomiro Santiago. O pai, o Alferes, nasceu em Portugal, mas veio ainda menino para o Brasil, onde já residia o avô, que se dedicava à extração e comércio de pedras preciosas, em Minas Gerais, no Tijuco (hoje Diamantina). O Alferes foi pai de oito filhos, o 2° dos quais foi o Comendador. Esse Alferes Manuel Carneiro Santiago, bisavô do grande Educador de Itajubá, foi abastado proprietário de muitas terras no sul de Minas. Faleceu em 02-07-1856. Possuía 120 escravos. Era o Comendador João Carneiro Santiago fazendeiro, proprietário das extensas terras conhecidas por Cunquibus, nome tomado do antigo topônimo de Cristina, que era Espírito Santo dos Cunquibus, nome tomado da expressão latina "cum quibus", que significa dinheiro, meios de compras.

Casou-se ele, em primeiras núpcias, com D. Maria Ribeiro da Luz, filha de Mateus de Oliveira Luz e de D. Maria Ribeiro de Carvalho. Tiveram três filhos: Maria, Ana e Joaquim.

Em segundo casamento, com a cunhada D. Ana Ribeiro da Luz, de cujo matrimônio vieram cinco filhos. O jornal "O Itajubá", de 15-03-1931, menciona os seguintes filhos do Comendador João Carneiro Santiago: D. Ana Goulart Santiago, D. Maria Ribeiro Santiago (falecida em 16-06-1903), João Carneiro Santiago Júnior, Joaquim Carneiro Santiago, D. Tereza Ribeiro Santiago, D. Joaquina Carneiro Santiago, Francisco Carneiro Santiago e D. Cândida Carneiro Santiago Silva, que foi a única que sobreviveu ao irmão (o Cel. Carneiro Júnior).

Estes foram os ancestrais paternos de Theodomiro Santiago, sobressaindo-se, como acabamos de ver, o provecto Comendador João Carneiro Santiago, seu avô, o qual, por unânime vontade dos munícipes do então grande Itajubá, foi quem chefiou a normalização e a instalação do "novo Município" (conforme os dizeres da Lei de 27 de setembro de 1848). Até que tudo se aprontasse (cotização popular para as muitas despesas, procura e aquisição das casas para a Câmara Municipal, para o Conselho de Jurados e para a Cadeia Pública, prédios esses exigidos pela Lei, e adaptação desses imóveis para os fins a que se destinavam obras estas executadas por pedreiros, carpinteiros, pintores e ferreiros; as eleições dos edis pioneiros de nossa autonomia e outros preparativos, e mais alguns arranjos além dos que a Lei determinava, tais como alguns alinhamentos de ruas e melhoras de calçamento no Largo dos Passos, limpezas em toda a "Freguesia", etc., tudo isso sob a direção de João Carneiro), houve a demora de alguns meses, e somente no ano seguinte, em 21 de junho de 1849, foi possível, com fogos e banda de música, a instalação oficial da Vila autônoma, isto é, do "novo Município", com a reunião inaugural da Câmara Municipal, com a presença de Domingos Ferreira Lopes, Presidente da Câmara de Campanha, tendo sido feita, conforme os dizeres da Ata então lavrada, "uma saudosa despedida da parte da Câmara Municipal daquela cidade" (Campanha), da qual se desmembrava todo o "novo Município", então constituído dos distritos que hoje também são municípios e têm os topônimos atuais de Itajubá, Piranguçu, Pedralva, Cristina, Brazópolis e Delfim Moreira. Foi dada a posse aos Vereadores eleitos (então em número de sete), inaugurando festivamente a Câmara Municipal superhistórica que passou a nos conceder a prerrogativa da autonomia administrativa, elevando-nos a Município, conforme textualmente diz a Lei 355. E o Presidente dessa Câmara estreante, corno não podia deixar de ser, foi o honrado e venerando Comendador João Carneiro Santiago, cargo, naquela época (e assim seria até 1930) era o de Agente Executivo Municipal, que corresponde ao de Prefeito de agora.

Foi, pois, o avô paterno de Theodomiro Carneiro Santiago o primeiro Prefeito de Itajubá e o rigoroso e íntegro mentor de todas as providências e laborações para dar cumprimento à Lei que nos emancipava.

Dos ancestrais maternos de Theodomiro Santiago destacasse, em proeminência histórica, o benemérito conterrâneo Major Pereira, este estimado e respeitado varão que, por muitos anos, deu o seu nome a uma das ruas centrais de nossa cidade, via esta que hoje tem o nome de outro inesquecível vulto, o Dr. João de Azevedo (Dr. João Sebastião Ribeiro de Azevedo, médico humanitário e chefe político). E não vamos confundir o Major Pereira, que assim figura nas antigas plantas da cidade, com o Major Pereira (João Antônio Pereira), que veio de Guaranésia para Itajubá em 1911, aqui se tomando banqueiro, e que hoje o seu nome foi dado a um dos nossos colégios. O Major Pereira dos velhos tempos, avô materno de Theodomiro, era o Major Francisco José Pereira, filho de Manuel José Pereira, português, fazendeiro no Rio Manso, Alferes da Guarda Nacional, e de D. Ana Clara dos Santos Cabral, bisavós matemos de Theodomiro. Esta D. Ana Clara era filha do português Manuel dos Santos Cabral e de D. Inácia de Gouveia, trisavôs maternos ele Theodomiro. O Major Francisco José Pereira faleceu em 16-09-1877 com 52 anos. Foi casado, em primeiras núpcias, com D. Ana Joaquina de Guimarães Pereira, de Pouso Alto, filha de José de Araújo Guimarães e de D. Maria Joaquina dos Santos. Falecida D. Ana Joaquina em 30-12-1853, com 25 anos, o Major Pereira contraiu segundo casamento com D. Maria José Guimarães Pereira, sua cunhada, falecida em 1902 com 65 anos.

Seus filhos do 1° matrimônio foram: Maria, Lúcia, Ana, Francisca e José (José Manuel Pereira, casado com D. Ana Sofia Rennó). Do segundo casamento: D. Lucinda Guimarães Pereira Santiago (16-07-1857; 24-01-1945, a mãe de Theodomiro Santiago), D. Mariana (primeira esposa do Capitão João José Rennó), Francisco José Pereira (o mesmo nome do pai, casado com D. Maria Lúcia Guimarães Pereira), D. Lina (casada com Antônio Cândido Pereira Rennó), Eusébio (casado com D. Maria Rennó Pereira), e D. Cândida (conhecida por D. Candinha, a segunda esposa do Capitão João José Rennó).

O Major Francisco José Pereira residia no então Largo dos Passos (Praça Theodomiro Santiago), no sobradão em que, já no século XX, se tornaria o Ginásio de Itajubá, e, anos depois, foi aproveitado provisoriamente para a Casa das Ordens do 4° Batalhão de Engenharia. Foi o venerando Major Pereira próspero agropecuarista. Desempenhou vários cargos, entre os quais o de Delegado de Polícia. Foi Vereador no quadriênio 1857-1860, tendo sido, nesse período, o Presidente da Câmara e Agente Executivo Municipal, cargo correspondente ao de Prefeito. Como Camarista muito trabalhou para dotar Itajubá com água potável, evitando que se utilizasse a do rio, que os escravos colhiam em corotes, cântaros e jarros. Foi o primeiro itajubense a se bater pela captação das águas despoluídas das nascentes serranas e sua canalização para chafarizes. Era um dos mais prestigiados e respeitados chefes do Partido Conservador (dos "cascudos"), mas também muito estimado pelos seus adversários do Partido Liberal (os "ximangos"). Grande entusiasta da arte dramática, foi o maior acionista para a construção do Teatro Santa Cecília.

Theodomiro Carneiro Santiago era, pois, filho do Coronel João Carneiro Santiago Júnior (esse filho homônimo do Comendador) e de D. Lucinda Guimarães Pereira Santiago, filha do Major Francisco José Pereira, de suas segundas núpcias com a pouso-altense D. Maria José Guimarães Pereira, antes sua cunhada.

O Coronel da Guarda Nacional João Carneiro Santiago Júnior nasceu em 18 de setembro de 1849 em uma propriedade rural pertencente ao Comendador, seu pai, existente no município de Maria da Fé. Faleceu em 10 de março de 1931, em Itajubá. Segundo consta no "Almanaque Sul-Mineiro" de 1874, de Bernardo Saturnino da Veiga, antes de mudar-se para ltajubá, fora, em Cristina, comerciante de "fazendas, ferragens, armarinho, etc.", bem como era ainda estabelecido com armazém "de molhados, louça, gêneros da terra, etc.". Tinha ele, então, 25 anos de idade. Com uma herança que lhe coube e com a ajuda paterna, adquiriu terras no Pinheirinho, em Itajubá (hoje um dos mais belos e prósperos bairros urbanos) e mais tarde, a fazenda do Ano Bom, que pertencera a João Carneiro Santiago Sobrinho, muito conhecido por João Carneiro do Ano Bom. Foi ainda o proprietário de uma fazenda nos Marins, então pertencente ao município de Itajubá. Foi um dos maiores produtores de café desta região, e do cultivo do tabaco e da produção de fumo em corda. Era o Cel. Carneiro Júnior um dos mais seguros esteios da vida administrativa e política desta cidade. Nada então se fazia sem primeiro ouvi-lo, como a um oráculo.

No início do século XX era ele o Presidente do Partido Republicano Mineiro (PRM). Presidente da Câmara Municipal foi, naqueles idos, o mais operoso Agente Executivo Municipal (Prefeito), alinhando e calçando ruas, realizando obras de saneamento e contribuindo com ajudas da municipalidade para ampliar o comércio e desenvolver a agropecuária. Emprestou de seu bolso, sem exigir juros, a verba para a construção do Mercado Municipal que existiu na Praça Adolfo Olinto. Contribuiu financeiramente para a fundação do Ginásio de Itajubá e para a instalação da Santa Casa de Misericórdia. Contribuiu ainda para a construção da igreja matriz.


Casa que existiu na esquina das Ruas Américo de Oliveira e Silvestre Ferraz (Praça Adolfo Olinto) na qual residiu Theodomiro com seus pais, até o casamento.

O casamento do Coronel João Carneiro Santiago Júnior com a autêntica pérola de virtude, de bondade e de santidade que foi a saudosíssima D. Lucinda Guimarães Pereira Santiago, assim está documentado em livro próprio, no registro sob o número 1079, do arquivo paroquial de N.S. da Soledade:
"Aos sete de janeiro de mil e oitocentos e setenta e três, nesta Matriz de Itajubá, assisti e abençoei na forma do ritual Romano ao matrimônio dos contraentes João Carneiro S. Thiago Júnior e Lucinda Pereira Guimarães, perante as testemunhas Capitão Antônio José Rennó e Francisco S. Thiago, sem impedimento e cumprida todas as formalidades canônicas.

Dona Lucinda Santiago, alma rara de santidade e de amor cristão que tão bem conhecemos, que tão de perto sentimos o seu evangélico humanitarismo, e da qual testifico o calor de seu coração magnânimo e nobilíssimo, valia-se de seu abençoado prestígio, o qual tinha o condão de autoridade, e de seus recursos próprios, para exercer a caridade conforme Deus queria, que não se restringia a esmolas rotineiras, mas, quando necessário, ia além do óbolo de todas as horas. Facultava o estudo a muitos jovens carentes; favorecia desabrigados na aquisição de um teto próprio; conseguia emprego a desamparados, e até nomeações para o desempenho de cargos públicos; auxiliou a muita gente pobre a sair-se de situações aflitivas. E tudo isso praticado furtivamente, sem um mínimo de ostentação, tal como quer Jesus Cristo (Mt 6,2-3).

Na sua lápide tumular jazido ao lado da capela sepulcral da Família Rennó), assim consta:
"LUCINDA G. PEREIRA SANTIAGO
1857-1945
O ALTRUíSMO E A FORTALEZA DE ESPíRITO
CARACTERIZARAM SUA ADMIRÁVEL
PERSONALIDADE"

E assim foi realmente. De seu casamento com o venerando Cel. João Carneiro Santiago Júnior (1849-1931) houve nove filhos:

1- D. Maria Carneiro Pereira Gomes - (Dona Sinhá) - Nasceu em 19-08-1875. Foi a esposa do ex-Presidente da República Wenceslau Braz Pereira Gomes.

2- D. Ana Carneiro Rennó - (Dona Cota). Nasceu em 27-11-1877. Foi a primeira esposa do magistrado Luiz Rennó, ex-Juiz de Direito da Comarca de Itajubá, e Agente Executivo Municipal (Prefeito) de nossa cidade.

3- D. Amélia Carneiro Santiago Ribeiro - (Dona Melica). Nasceu em 31-07-1879. Casada com o comerciante Isaltino Ribeiro, tio do engenheiro Carlos Ribeiro Filho, industrial, que foi Prefeito de Itajubá e de Pedralva.

4- THEODOMIRO CARNEIRO SANTIAGO, nosso biografado, nascido em 01-12-1882.

5- Bráulio Carneiro Santiago. Nasceu em 22-01-1884. Industrial e fazendeiro. Foi casado com D. Maria Isabel dos Santos Santiago.

6- Thiago Carneiro Santiago. Nasceu em 30-04-1886. Era tabelião. Foi casado com D. Ana Ribeiro Pinto (Dona Anita).

7- Eustáquio (Eustachio) Carneiro Santiago. Nasceu em 29-01-1888. Casou-se com D. Ana Andrade Ribeiro Santiago (Dona Nini). Eustáquio foi industrial e comerciante.

8- D. Ana Carneiro Santiago Villela. Nasceu em 01-03-1891. Foi a esposa do advogado Olinto Carneiro Villela.

9- D. Isaura Carneiro Santiago Azevedo - (Dona Ica). Nasceu em 30-01-1894. Esposa de Carlos Sebastião Ribeiro de Azevedo, irmão do saudoso médico Dr. João Sebastião Ribeiro de Azevedo.

E aqui estão, pois, mencionados os oito irmãos de Theodomiro Carneiro Santiago.

Acredita-se que Theodomiro teria nascido em 30 de novembro de 1881. A publicação denominada "A Polyanthéa" (Itajubá, 1937), obra do farmacêutico e poeta Antônio Martins (falecido em Piranguçu em 1962), que foi uma coletânea, em formato tablóide, de curtos escritos, de diversos itajubenses, sobre o Educador então recém-falecido, muito cooperou para divulgar esse lapso. Quanto ao dia do nascimento, já houve uma explicação: Na tarde (na boca da noite, como se dizia) de 30 de novembro, em Dona Lucinda (a Nhanhã, conforme os íntimos a tratavam) manifestaram-se as primeiras dores e sinais da chegada da cegonha. Foi quando a experiente e solícita obstetriz e as prestativas mucamas da casa-grande da fazenda do Sabará (então Município de Itajubá, ora pertencente a Maria da Fé) se movimentaram para acudirem à patroa com os indispensáveis preparativos. E as primeiras horas da noite foram tomadas com esses trabalhos. E quando o pimpolho veio ao mundo, no Patek Philippe (relógio de luxo) que o Coronel Santiago Júnior, no mesmo instante, sacou do bolso do colete, já passavam muitos minutos da meia-noite. Daí, a data certa em seus apontamentos. Mas, para o pessoal da velha mansão, prevaleceu o dia 30, sem mais ninguém perceber que já se estava em dezembro... Quanto ao 1881 em vez de 1882, não há outra explicação senão a de erro tipográfico em crônicas sobre Theodomiro, podendo-se, talvez, atribuir o eito à citada "Polyanthéa". O jornal "O Itajubá", de 01-11-1936, que publicou o necrológio do biografado, mantém o erro quanto ao dia, mas traz o ano certo: 1882.

Necessitando de comprovante legal da idade de Theodomiro para satisfazer a exigências colegiais, e como os registros da Igreja gozavam de aceitação oficial durante o Império, época em que ainda não havia registro civil (o qual só se tomaria obrigatório na República), o Cel. Carneiro Júnior foi buscá-lo na sede paroquial. Foi então verificada a inexistência dos devidos assentamentos de seu querido filho, que fora batizado na roça, na fazenda, e que, talvez por esquecimento, o registro deixou de ali constar. O Vigário, que bem conhecia a inteireza de corretismo e a inequívoca idoneidade do preclaro varão, lançou, no Livro n°6 de batizados, na pág. 234, o seguinte registro:

"Aos vinte e três de janeiro de mil oitocentos e oitenta e três, em Oratório da fazenda do Sabará, desta Paróquia, de licença ao Reverendo Padre Antônio Ribeiro da Luz, batizou solenemente ao inocente Theodomiro, nascido ao primeiro de dezembro de mil oitocentos e oitenta e dois, filho legítimo de João Carneiro Santiago Júnior e de D. Lucinda Pereira Guimarães Santiago; foram padrinhos o Capitão João José Rennó e D. Joaquina Ribeiro Santiago. E como não foi feito em tempo este assentamento, o faço hoje em vista de informações que me foram fortalecidas pelo pai do batizando e que as reputo fidedignas. Itajubá, 5 de setembro de 1896. O Vigário Cônego Antônio Moreira de Souza e Almeida".

Aqui está, pois, o autêntico atestado de idade de Theodomiro Carneiro Santiago: Ele nasceu na fazenda do Sabará em 1° de dezembro de 1882. Mesmo que exista algum passaporte ou outro documento indicando data diferente de seu nascimento, não é para ser recusada a informação do próprio pai, declaração esta que tem o selo da ilibada responsabilidade, da honradez inatacável e da segurança invulnerável.

O Padre Antônio Ribeiro da Luz que batizou Theodomiro pertencia à família do neófito. Era filho do Major Antônio Ribeiro da Luz e de D. Ana Isabel de Paiva Carneiro. Era sobrinho do Comendador João Carneiro Santiago, avô paterno de Theodomiro. Foi Pároco em Santa Rita do Sapucaí, Deputado Provincial (hoje se diz estadual) e orador sacro. Achava-se hospedado em casa de seu irmão João Ribeiro de Paiva e Luz, e Itajubá, quando a morte o surpreendeu em 15-10-1885. Foi sepultado no cemitério do Rosário, arrasado em 1905. Seu pai, o Major Antônio Ribeiro da Luz, foi fazendeiro em Itajubá e exportador de fumo em corda. Foi sepultado em 27-02-1875, com 52 anos, também na já desaparecida necrópole do Rosário, tendo orado à beira de seu túmulo, o médico Dr. Américo de Oliveira. Pertencia à linhagem do Conselheiro do Império Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, como também pertencia D. Joaquina Ribeiro Santiago, a madrinha do ilustre batizando. O padrinho foi o abastado Cap. João José Rennó, um dos maiores comerciantes de Itajubá, estabelecido com uma grande loja de fazendas, calçados, chapéus, louças etc. e também com abastecido armazém de secos e molhados e bebidas. Era filho de Antônio José Rennó (o Coronel Rennó, que deu o nome à grande e principal rua central de nossa cidade) e de D. Lúcia Pereira dos Santos Rennó. Esse bravo Capitão, o padrinho de Theodomiro, Comandante da 1ª. Companhia do 66° Batalhão da Guarda Nacional e Agente Executivo Municipal (Prefeito), foi casado duas vezes, com duas filhas do Major Francisco José Pereira, D. Mariana e D. Cândida, ambas irmãs de D. Lucinda, portanto ambas tias maternas de Theodomiro.

Theodomiro Carneiro Santiago, conforme declara o Cel. Carneiro Júnior, nasceu na fazenda do Sabará, de propriedade paterna, que existiu numa encosta da serra de mesmo nome, que hoje, com as alterações sofridas em divisas intermunicipais estabelecidas no século XX, passou a pertencer ao município de Maria da Fé. Mal principiava a segunda infância, Theodomiro despediu-se da serra do Sabará, e foi residir com a família na casa que existiu na Praça Adolfo Olinto, na esquina das ruas Américo de oliveira e Silvestre Ferraz. Foi quando o então futuro Educador passou a frequentar as escolas primárias.

O menino Theodomiro aprendeu a ler e a escrever com professores particulares, com os quais também se instruiu em alguns rudimentos de Matemática. Seu primeiro mestre em escola foi Aires Dalle Afflalo, que era casado com D. Belisária Belmira Lisboa Dalle, irmã de Justino Xavier de Mello Lisboa, pai do benemérito clínico Dr. Xavier Lisboa e, portanto, avô do saudosíssimo Dr. Gaspar Lisboa. Com seu irmão Dalle Afflalo o Professor Aires fundou o Externato São Luiz, em 1884, bom colégio daquele decênio, que alfabetizou muitas crianças do escol itajubense. Theodomiro frequentou, em seguida, o Ateneu Itajubense, do qual eram professores Rodolfo Andrade, D. Rita Andrade e D. Júlia Amaral, cultas e excelentes educadoras dos distantes idos. O jornal itajubense "A Verdade", na edição de 07-01-1893, tinha toda a primeira página ocupada com os resultados dos exames do Ateneu, onde consta que, em Francês, foram, aprovados plenamente com louvor" os alunos Theodomiro Carneiro Santiago, Alberto de Castro e Francisca Rennó. E informa ainda a referida folha que, na festa de encerramento das aulas, houve recitações, tendo Theodomiro Carneiro Santiago declamado o poema de Castro Alves "No Meeting du Comité du Pain", incluído nos "Hinos do Equador". Fantástica a memória do menino declamador, pois essa obra poética contém quinze longas estrofes.

Em seguida, Theodomiro tornou-se aluno de Pedro Boucher de Boucherville, mestre de elevada cultura, diplomado pelo Colégio São Jacinto, do Canadá. Viera para o Brasil em 1866, e para Itajubá em 1891, passando aqui a lecionar no Colégio Infantil fundado e dirigido por Rodolfo Andrade. No ano seguinte Pedro (Pierre) de Boucherville, pai do professor Jorge de Boucherville, fundou o seu Externato São Pedro. Também lecionou na Escola Normal Municipal de Itajubá, fundada em 1894 pelo Cel. Francisco Braz Pereira Gomes, pai de Wenceslau Braz. Com Pedro de Boucherville, preparou-se Theodomiro Santiago em Matemática, Português, Geografia, História e Ciências para ingressar no curso secundário, segundo confirma a revista itajubense "Século XX", de 03-05-1913, n°2, memorável órgão da imprensa itajubense, redigido e dirigido por ginasianos mais adiantados e por acadêmicos de Engenharia (da 1ª turma do então Instituto Eletrotécnico), entre os quais Ligório Santos, José Benedito de Oliveira (Celico), José Ernani de Lima, Isidro Toledo e Alfredo Carneiro Santiago. A referida revista, na pág. 12 trazia a notícia da morte de Pedro Boucher de Boucherville, ocorrida em São Paulo, em 23-04-1913. Nessa notícia encontra-se a confirmação de que Theodomiro Santiago fora realmente aluno do ilustrado educador canadense, tendo como colegas de classe no curso de preparatórios do Prof. Pedro, o político Cândido Rodrigues, que seria Secretário da Agricultura do Governo Estadual de São Paulo; de Ataulfo Nápoles de Paiva, futuro Desembargador no Rio de Janeiro; de Benedito de Souza, que se ordenaria e que, quando já Monsenhor, seria o Governador do Bispado de São Paulo, e de alguns outros colegas que depois seriam ocupantes de elevados cargos (assim confirma a revista "Século XX").

Para concluir oficialmente o curso de preparatórios, o Cel. João Carneiro Santiago Júnior mandou o filho para o Ginásio Mineiro, estabelecido em Barbacena. O mui ilustre Crispim Jacques Bias Fortes, barbacenense da velha têmpera, quando Governador (Presidente, como então era denominado) das Alterosas, criara, com um Decreto de 01-12-1890, o Ginásio Mineiro, com internato em sua cidade natal, e externato em Ouro Preto, então a capital de Minas Gerais. Esse colégio estadual e oficial teve, naqueles primórdios, um diretor de reconhecida capacidade como educador, que foi Antônio José da Cunha, e mestres de elevado saber e inteiramente dedicados ao ensino, entre ao quais o erudito e respeitado intelectual José Cypriano Soares Ferreira.

Feliz, cercado de sumidades de fama no mundo das ciências e das letras, em 1898 estava o adolescente Theodomiro Santiago em Barbacena para iniciar o curso secundário no Ginásio Mineiro, como aluno interno. Nunca, até então, havia empreendido viagem tão longa e tão estafante, feita por estrada de feito, pela Maria-fumaça, que vomitava brasas na subida das serras. Três anos permaneceu como aluno interno em Barbacena. Em 1899 o externato do Colégio Mineiro, que funcionava em Ouro Preto, foi transferido para Belo Horizonte. Theodomiro optou por este, e, deixando Barbacena, foi para a nova capital mineira, onde, em 1902, terminou os preparatórios para o curso superior, já estando, porém, cursando o 1° ano de Direito, valendo-se de uma licença então legalmente permitida. Portanto, em 22-03-1902, Theodomiro Santiago já estava matriculado no 1°. ano do curso jurídico na Faculdade de Direito do Estado de Minas Gerais, de Belo Horizonte, instalada na Praça da República (depois Afonso Arinos), vinda de Ouro Preto em 1898, fundada pelo Conselheiro Afonso Penna, Virgilio de Mello Franco, Camilo de Brito, Silviano Brandão, David Campista e outros realizadores. Teve, logo de início, insignes catedráticos, como Afonso Arinos de Mello Franco, Antônio Augusto de Lima, Sabino Barroso Júnior e tantos outros luminares da ciência das leis. E dois colegas itajubenses de Theodomiro lá estavam também matriculados, seus jovens amigos Ornar de Magalhães, filho de Olímpio de Magalhães, e Nestor de Magalhães, filho do advogado Aureliano Moreira Magalhães.

Terminado o 1° ano na capital mineira, transferiu-se Theodomiro Santiago para a celebérrima Faculdade de Direito de São Paulo. Após um brilhante curso na escola de Themis, quatro anos depois era recebido festivamente em Itajubá, quando chegava com o Canudo de bacharel em ciências jurídicas, porém, jamais pensou em dedicar-se à advocacia. Defender delinquentes e meliantes, assumir promotorias e juizados, ambicionar altos cargos na magistratura, e tornar-se um desembargador, nada disso estaria com ele! Seu sonho era o de consagrar-se inteiramente ao ensino, à educação.

Sua primeira realização como Educador foi o Ginásio de Itajubá. Ter de deixar sua terra e seus entes queridos para ir tão longe, para a distante Barbacena, a fim de conseguir seus preparatórios colegiais, sentiu profundamente Theodomiro, considerando essa conquista para o estudante uma premência que ocasionava sacrifícios e muitas despesas, o que era o pior. Vivia-se numa época em que os meninos de poucas possibilidades financeiras, moradores de cidades muito distantes dos centros estudantis mais adiantados, não podiam frequentar o curso secundário. Não tinham dinheiro para custear internato em lugares longínquos. Theodomiro sentia o problema em si mesmo. Ele tinha recursos para isso, mas, e os alunos pobres? Herdara o humanitarismo cristão e o altruísmo estuantes no coração de sua extremosa mãe. Com essa preocupação, ao iniciar o curso jurídico, e porque não podia estar presente em Itajubá, valeu-se da amizade e a confiança depositadas em Luiz Pereira Dias, abastado agropecuarista e comerciante, íntegro itajubense da velha fibra, ao qual expôs o seu propósito de fundar o Ginásio. Luiz Dias comprometeu-se a representar o então acadêmico de Direito nas atividades para esse fim. Que Theodomiro deixasse com ele todas as diligências e demarches para tornar em realidade o projetado colégio.

Conseguiu-se o sobrado da então Praça Cesário Alvim (hoje Praça Theodomiro Santiago), no qual residira o Major Francisco José Pereira, avô materno de Theodomiro, casarão este construído na quarta década do século XIX pelo Alferes Manuel José Pereira, bisavô materno do Educador. Foi este o primeiro sobrado construído em Itajubá. O custeio para a reforma interna desse histórico casarão, e para o mobiliário e todo o material didático, foi conseguido com a cotização da qual participaram conterrâneos progressistas, não faltando os irmãos Dias (João, Joaquim, Virgínio e Luiz Dias Pereira), D. Amélia Cândida Vianna Braga, Cel. João Carneiro Santiago Júnior, o Juiz de Direito Luiz Rennó, Dr. Antônio Maximiano Xavier Lisboa, José Joaquim dos Santos e outros.

Em 11 de março de 1903, festivamente foi inaugurado o sonhado Ginásio de Itajubá, com muitos foguetes, banda de música, o discurso de José Manso Pereira Cabral (então Agente Executivo Municipal, isto é, Prefeito) e a presença do fundador (então ainda acadêmico em São Paulo, terceiranista de Direito). Para a direção do estabelecimento foi convidado o engenheiro Belarmino Martins de Menezes, experiente mestre, que já havia lecionado em Pouso Alegre, Pedralva e em Brazópolis, onde, em 1891, havia fundado uma escola.

Em 5 de dezembro de 1906, porém, faleceu o honrado e estimado Professor Belarmino, precisamente no momento (mês e ano) em que Theodomiro terminava o curso jurídico em São Paulo. E o próprio fundador e Educador itajubense assumiu a direção do Ginásio de Itajubá, atingindo, então, sua fase áurea esse estabelecimento de ensino secundário. Houve famílias inteiras que, "in illo tempore" (naquela época), de localidades próximas, que se mudaram para Itajubá, para facilitarem aos filhos o curso de preparatórios no esplêndido colégio fundado por Theodomiro Santiago, o Ginásio de Itajubá que logo passou a merecer os melhores conceitos em todo o Sul de Minas, pela disciplina, pela pontualidade e competência de seus professores. E foi um dos primeiros colégios reconhecidos oficialmente pelo Governo do Estado. Foram seus professores consagrados mestres como Jorge Tibiriçá de Boucherville (grande conhecedor de Francês), Carmo Cascardo (Normalista, lente do curso primário), Antônio Salomon (advogado, profundo conhecedor da Língua Portuguesa e dos clássicos lusitanos), Pedro Bernardo Guimarães (engenheiro geógrafo, jornalista, professor de História e de Geografia, autor de um tratado de História adotado em colégios pelo Governo do Estado, o primeiro historiador de Itajubá e autor da obra "Município de Itajubá", editada em 1915, filho do consagrado romancista Bernardo Guimarães), Cônego Lauro de Castro (respeitado latinista e filólogo), Padre João Lafforgue (outro exímio mestre de línguas, inclusive do grego), Olinto Carneiro Villela, cunhado de Theodomiro (lente de Matemática e História Natural), Francisco Pereira Rosa (que seria famoso causídico, professor da Aritmética e Português), John Oswald Crawford (mestre de Inglês), e ainda outros notáveis lentes, como José de Sã Barreto, José Benício da Silva, Padre Luiz Donato, Cônego José Salomon, Joaquim Severino de Paiva Azevedo e o competente e tão saudoso maestro Francisco Nisticó, professor de Música, que chegou a organizar uma banda com os alunos, memorável filarmônica estudantil que várias e brilhantes apresentações chegou a realizar em público.

Conta Olinto Carneiro Villela na "Polyanthéa" de Antônio Martins que, na falta de um professor, a classe não ficava sem aula. Era Theodomiro quem substituía o lente (professor) faltoso, em qualquer matéria que fosse. Ele estava sempre preparado para essas substituições. E quando um aluno, nas provas, revelava ótimo aproveitamento, ele procurava o professor para abraçá-lo e parabenizá-lo pelo louvável êxito.

Em 3 de abril de 1909, eleito para completar o quadriênio de João Pinheiro da Silva, que falecera, Wenceslau Braz Pereira Gomes tomou posse do Governo de Minas Gerais, que provisoriamente vinha sendo exercido, desde 26 de outubro de 1908, por Júlio Bueno Brandão, que, como Vice-Presidente (hoje se diz Vice-Governador) tomara o leme do Palácio da Liberdade. Foi um período curto na administração do Estado, de pouco mais de um ano, mas bastante difícil para Wenceslau, pelo acúmulo de muitos e graves problemas. As divergências partidárias, substituições de cargos, a precária situação do tesouro estadual, as reivindicações de todas as ordens que chegavam de todos os cantos das Alterosas, as obras prementes apontadas pelos mineiros, várias medidas inadiáveis nos domínios da educação, da agricultura, da viação, da polícia e da saúde pública sobrecarregavam as responsabilidades do preclaro estadista sul-mineiro.

Wenceslau sentiu a necessidades de um auxiliar de pulso foi-te junto de si, que reunisse qualidades de sensato, prudente, capaz, honrado, trabalhador, criterioso, culto, ao mesmo tempo que amigo e conselheiro. Nessa contingência, pediu Wenceslau Braz ao cunhado Theodomiro Santiago um sacrifício: Que ele abandonasse, por algum tempo, as liças da educação, e deixasse Itajubá. Ele, Wenceslau Braz, queria-o no Palácio da Liberdade como seu Secretário Particular!...

Theodomiro não soube recusar. Passou a diretoria do Ginásio de Itajubá ao seu cunhado Olinto Carneiro Villela, para ir trabalhar com o outro cunhado, o Governador de Minas Gerais. Não seria preciso informar que esse Secretário Particular se portou com todos os atributos desejados pelo Governador, revelando-se, mais ainda, um confidente, um seguro oráculo, um fanal que prontamente, e com elevada proficiência, iluminava as mais difíceis decisões de Wenceslau Braz. É revelação que seria feita pelo próprio estadista brazopolense por ocasião da morte de Theodomiro. Mesmo atarefado com as responsabilidades e deveres de auxiliar do Governador, Theodomiro não se esquecia de seu colégio. Queria ver sua terra natal enriquecida com bons estabelecimentos para o curso secundário, já que para o primário não havia falta de escolas e de excelentes mestres e mestras. Era a época em que, mesmo nos Grupos Escolares (hoje Escolas Estaduais ou Municipais), as classes de meninos eram separadas das meninas. Os colégios para secundaristas, sobretudo os internatos, também mantinham a mesma separação, havendo colégios só para adolescentes masculinos, como também havia os destinados às moças. Em Itajubá, desde 1907, já estava fundado uni excelente estabelecimento de ensino para moças, com externato e internato, com cursos de preparatórios e a Escola Normal Sagrado Coração de Jesus. É estabelecimento que ainda existe (menos o internato), já quase centenário, fundado pelas abnegadas e cultas Irmãs da Providência, de Gap (França), tendo, naquele ano, como diretora, a altruísta educadora francesa Madre Maria de São Raphael.

Mas, inquietava-se ainda Theodomiro com os meninos de rua, carentes e maltrapilhos, alguns órfãos, outros, filhos de mendigos. Como tirá-los da indigência e dar-lhes meios para educar-se e conseguir uma profissão e trabalho? Pois, no próprio desempenho de Secretário, o humanitário Educador encontrou a oportunidade de propiciar completo amparo aos meninos desvalidos de Itajubá. João Pinheiro da Silva, antecessor de Wenceslau Braz no governo de Minas Gerais, falecido em 1908, havia criado, com a Lei n°444, de 3 de outubro de 1906, a assistência estadual a meninos desamparados. Júlio Bueno Brandão, o sucessor provisório de João Pinheiro, valendo-se dessa Lei, fundara, em Belo Horizonte, o Instituto João Pinheiro. Theodomiro Santiago viu-se "com a faca e o queijo na mão", para assim nos valer de uma força de expressão bem popular. Elaborou ele os termos de uma lei, com base na referida Lei n°444 de João Pinheiro, criando em ltajubá um educandário para adolescentes pobres, no mesmo molde do Instituto criado por Júlio Bueno Brandão. Wenceslau aquiesceu, com agrado à ideia de seu cunhado, amigo íntimo e auxiliar, resultando dessa anuência governamental o Decreto de n° 2.826, de 14 de maio de 1910, que criava, em Itajubá, o Instituto Dom Bosco. A denominação desse novo educandário era uma bela homenagem à memória do grande evangelizador salesiano Padre João Bosco, que se consagrou à formação profissional de jovens italianos. Para cumprimento desse Decreto de Wenceslau Braz, foram desapropriados pelo Estado alguns lotes do Núcleo Colegial de ltajubá, que ocupava terras que haviam pertencido à fazenda do Capitão João José Rennó. A inauguração do Instituto Dom Bosco foi solenizada em 11 de setembro de 1910, com a presença de Theodomiro Carneiro Santiago, de Wenceslau Braz, de Esteves Leite de Magalhães Pinto (Secretário do Interior) e de autoridades locais.


Delfim Moreira da Costa Ribeiro cercado de seus assessores diretos no Governo de Minas Gerais (quadriênio 1914-1918). À esquerda do Governador, está, sentado, Theodomiro Carneiro Santiago, então Secretário das Finanças do Estado de Minas Gerais.

O primeiro diretor desse educandário foi Sócrates Brasileiro; o segundo, Joaquim Lopes Vianna; o terceiro, Jarbas Guimarães; o último, Carmo Cascardo. Faltando, cerca de vinte anos depois, o apoio governamental para continuidade da manutenção de educandos internos e de mestres profissionais e instrutores dos diversos "ofícios" ensinados, Theodomiro, segundo nos parece, previu o fim dessa tão boa e humanitária escola profissionalizante para a qual acabava de ser constituído um espaçoso e belo edifício, com a planta desenhada pelo arquiteto francês Eduardo Piquet, residente em Itajubá, diplomado pela École des Ai-ts et Metier, de Angers. O rico prédio, construído no mesmo local onde existiu a antiga sede (que havia sido a casa-grande da fazenda do Capitão João José Rennó), teve sua pedra fundamental lançada em 19-07-1929, em solenidade que contou com a presença do mentor dessa instituição, que foi Theodomiro Santiago, do diretor do Dom Bosco Prof. Carmo Cascardo e de várias autoridades, e a do saudoso Padre Paulo Hartgers, que oficiou a bênção da pedra fundamental e proferiu memorável discurso. Foi obra que só ficou concluída quatro anos depois, inaugurada em 13-05-1933, com a presença de Theodomiro, que não se conformava com o desaparecimento do Dom Bosco, que abrigava cerca de 60 educandos, que se tomaram competentes carpinteiros, marceneiros, alfaiates, sapateiros, seleiros, ferreiros, músicos, etc. Nessa emergência, Theodomiro conseguiu a transformação do Dom Bosco em Escola de Horticultura, logo depois tomada em Colégio Agrícola, educandários estes que tiveram curtíssima existência, embora muito menos dispendiosos do que o Dom Bosco. Tais escolas foram extintas, e o bem projetado e construído prédio que, em 1929, estava destinado para o Instituto Dom Bosco, tomou-se na Escola Estadual "Wenceslau Braz", depois de estar ainda sob a criteriosa e competente direção do Prof. José Otaviano de Azevedo, culto educador e escritor, que muito trabalhou e lutou pelo bom êxito do educandário na sua fase de transformação de Colégio Agrícola e Escola de Horticultura. Frustados ficaram os esforços de Theodomiro Carneiro Santiago junto aos poderes governamentais para a recriação de escolas profissionalizantes para estudantes carentes. Porém, somente a Parca, com o seu inclemente fatalismo, foi-lhe capaz de lhe roubar todo o alento para novas tentativas!...

Grupo de autoridades locais (entre o qual está Theodomiro Santiago) de volta à visita que acabavam de fazer ao novo prédio para o Instituto Dom Bosco, Educandário idealizado por Theodomiro. (Prédio hoje transformado em Escola Estadual Wenceslau Braz).

Theodomiro, entre o material de laboratório escolar existente no Ginásio de Itajubá, encontrou vários aparelhos para estudos de Física, Magnetismo e Eletricidade, que pertenceram à Escola Normal Municipal, fundada pelo Cel. Francisco Braz Pereira Gomes em 1894, estabelecimento que teve a curta duração de aproximadamente um lustro. Tais aparelhos sugeriram a Theodomiro a criação de um curso para operários especializados em eletricidade prática. Era a época em que o Brasil se despertava para a eletricidade. Em seu plano, esses alunos teriam conhecimento desses aparelhos e receberiam noções de eletricidade prática e rudimentos de eletricidade teórica. Na prática, Theodomiro poderia contar com as instruções dos irmãos Tribst, que não quiseram deixar ltajubá, e aqui constituíram famílias, e ainda há descendentes dos Tribst em nossa sociedade do século XXI. O Pavanni, terminados os seus trabalhos, regressou a Limeira, não deixando homens habilitados para a assistência às ligações na cidade, nem para proceder a novas instalações residenciais, cada vez mais solicitadas. Theodomiro observava toda essa carência de mão-de-obra especializada, precariedade essa que permaneceu por muito tempo. Além dos alemães Tribst, tomou-se zelador da barragem e de casa das máquinas (a qual, neste ano de 2002, ainda pode ser vista com algum material nela montado) o Joãozinho Marçal (cujo nome verdadeiro era João Carvalho da Silva), modesto sitiante na serra dos Toledos, lavrador e criador de suínos. Instruído por Franz Tribst, de quem se tomara auxiliar, tinha a incumbência de abrir e de fechar comportas em horas determinadas, ligar chaves, fiscalizar a casa das máquinas, etc., e estes seus serviços eram pagos pela Câmara Municipal. Mas Theodomiro queria homens conscientes nesses trabalhos. Destinou uma sala no Ginásio de ltajubá para a classe de formação de operários eletricistas por ele planejada. Pois foi nesse casarão histórico da praça que hoje tem o seu nome, o sobrado do Ginásio, que em 1921 seria provisoriamente ocupado pelo 4° Batalhão de Engenharia, e que em 1925 seria demolido para, em seu lugar, ser construído o tão "saudoso" Cine Teatro Apolo, e que também já não existe para dar lugar ao alto edifício denominado EULÁLIO GAMA PINTO (o Lalinho, o construtor do Apolo), foi nele que também nasceria a UNIFEI!...

Esse "cursinho" profissionalizante de operários eletricistas, que foi o germe de uma grande Universidade, foi iniciado em 15-06-1912, cuja direção Theodomiro confiou ao seu cunhado Olinto Carneiro Villela, advogado e professor. As aulas teóricas de Eletricidade, que não deveriam passar das lições contidas em manuais escolares de Física adotados nos colégios do Brasil, começaram a ser expendidas por Joan Oswald Crawford, culto conhecedor de Ciências. As lições de Eletricidade prática eram ministradas por Adolfo Tribst, falecido em ltajubá em 1967, e por Franz Tribst, falecido em Brazópolis em 1921, esses alemães berlinenses que montaram a usina pioneira, e que permaneceram em Itajubá, gratificados pela Câmara Municipal.

Esse "cursinho" planejado e fundado por Theodomiro Santiago teve, porém, a curta duração de poucos meses, não chegando ao fim de 1912, isso porque os planos engrandecedores e nobilíssimos do preclaro Educador itajubense tinham asas, e voaram para maiores alturas. “Por que, em vez de habilitar homens de macacão para subir em postes, e formar simples operários com tão curtos conhecimentos de sua profissão, não partir logo para uma escola de curso superior de Eletricidade” Theodomiro não ignorava que o mundo civilizado todo estava renascendo com a eletricidade, e que os Estados Unidos e a Europa já possuíam técnicos com a capacidade para transformar energia hidráulica em poder energético capaz de revolucionar o progresso com o incremento da indústria e o bem-estar da humanidade. Não faltavam no Brasil as potentes quedas d"água, mas o que não havia eram homens com a instrução técnica para aproveitá-las. No Brasil só se sabia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro como estabelecimento para a formação de técnicos. Era, porém, naqueles idos, urna Escola que ainda engatinhava em seus cursos, formando, às apalpadelas no que tocava à prática, os seus engenheiros, homens de ciências e alguns competentes matemáticos, mas sem a tarimba necessária para o exercício da profissão. Essa falta de um mínimo de prática era notada por Theodomiro, levando-o a uma famosa polêmica com Paulo de Frontin, Diretor da Escola Politécnica. Pois Theodomiro se entusiasmou em formar um Instituto superior à Politécnica carioca, capaz de formar engenheiros teóricos e, ao mesmo tem[o, práticos, habilitados para promover a Pátria Brasileira, tirando-a do conceito de ser uma Nação "essencialmente agrícola"!...

O projeto era magnífico, pioneiro em sua plenitude didática, de imenso alcance patriótico, de altaneiros objetivos, porém, e o dinheiro para a concretização desse gigantesco ideal'? Pois com este hic topou o Educador itajubense. Dinheiro Theodomiro não tinha. Como diziam os obreiros da mais remota antiguidade, absque argento omnia vana. O único jeito era socorrer-se ao pai, então um dos maiores capitalistas de Itajubá e, talvez, do sul de Minas. Foi circunstância que marcou destacadamente um dos mais memoráveis episódios da vida de nosso biografado. Ele conhecia, de sobra, a severidade do íntegro Cel. João Carneiro em decisões para investimentos e aplicações monetárias, mormente em se tratando de financiamento de empresa que o "velho" certamente olharia com cepticismo quanto às possibilidades lucrativas, ele, o venci-ando Cel. Carneiro Júnior, desejaria que o filho se atirasse a atividades industriais, comerciais e agropecuárias. Assim deduzindo, e porque bem conhecia o temperamento paterno, Theodomiro temia que as aspirações de Educador fossem mal recebidas, e até causadoras de rancor e de admoestações austeras do pai, em vista do muito que dele desejava.


01 -Henrique Claus; 02 -Herbert Lindenbein; 03 -Antônio Rodrigues de Oliveira; 04 -Vicente Sanches; 05 -Hans Luiz Heinzelmann; 06 -J.R. Constantin; 07 -Arnod Trummer; 08 -Não identificado; 09 -José Rodrigues Seabra; 10 -Theodomiro Carneiro Santiago; 11 -Luiz Goulart de Azevedo.

Theodomiro Santiago teve medo de abordar o pai. Porém, ele tinha junto de si um Anjo de bondade inefável e protetor, que era sua santa e virtuosa mãe. A ela expôs os seus sonhos. Dona Lucinda foi ao escritório, onde o marido estava trabalhando. Inspirada pelo intenso amor maternal, e com as palavras convincentes e com o afeto conjugal, tudo se arrumou. E João Carneiro chamou o filho ao escritório. Ao invés de Theodomiro encontrá-lo mal-humorado e supercílios, o Coronel recebeu-o amavelmente, bem disposto a ouvir o dileto filho em sua pretensão de Educador. Feita a estimativa dos gastos imprescindíveis, o pai concedeu-lhe seiscentos contos de réis, dinheiro que, naqueles tempos, daria para adquirir oito a dez fazendas de ubertosas e numerosas arrotéias. Pelo que se pode ajuizar de acontecimentos de poucos meses depois, o Cel. Carneiro Júnior, no seu rigorismo de moderação e de justiça, facultou-lhe essa vultosa importância sob o compromisso de não lhe solicitar ajudas financeiras suplementares, pois, afinal, Theodomiro não era filho único...

O Educador, exultante, como se endoidecido pela alegria, correu pela casa à procura de seu Anjo protetor. Encontrando-a na sala, abraçou-a efusivamente por longos minutos, osculou a fronte de sua mamãe de ouro e de brilhante, e, no delírio da euforia, voou, porta afora, para rua. Procurou, em primeiro lugar, seu ex-cunhado Luiz Rennó (então viúvo. Fora casado com D. Ana Carneiro Rennó, conhecida por D. Cota, irmã de Theodomiro, falecida em 1908), magistrado, Juiz de Direito da Comarca, que seria, no Rio de Janeiro, Auditor do Tribunal de Contas da República. Luiz Rennó era o herdeiro do casarão do adro da Matriz, no início da Rua Cel. Rennó. Era a mansão (ainda existente neste ano de 2002) onde residira o Padre Marçal Pereira Ribeiro (Vigário da Paróquia de 1899 a 1910), tornando a residência em Casa Paroquial. Transferido para outra cidade, o Padre Marçal deixou residindo no histórico solar o seu cunhado Antônio Salomon (normalista, professor, e que seria advogado e Juiz de Direito de nossa Comarca durante 20 anos, de 1920 a 1940, e que se achava casado com D. Adelina de Meneses Ribeiro, irmã do sacerdote). Ciente do que desejava o Educador, o magistrado Luiz Rennó, que tão bem conhecia a hombridade, os nobres propósitos e a inatacável honradez de Theodomiro, com a maior boa vontade cedeu a casa ao ex-cunhado. Que ele, Theodomiro, lhe pagasse em pequenas prestações, e que, desde então, se considerasse o proprietário do prédio (que ainda pertence à UNIFEI).

Na tarde do mesmo dia, acompanhado do competente e honesto construtor Jeremias Veríssimo Rennó (fora o arquiteto e o construtor da primitiva igreja de São Benedito (ora demolida para o prolongamento da Rua Dr. João de Azevedo), e, com a amável permissão dos moradores do solar, Antônio Salomon e D. Adelina, Theodomiro percorreu detidamente todo o espaçoso imóvel, combinando com o Jeremias o que deveria ser consertado, e o que desejava que fosse modificado, reformas estas que deveriam ter início assim os ilustres moradores desocupassem o casarão. Procurando os industriais de móveis, as firmas Lerner & Goldbach, e Capello & Baroni, esta última proprietária de uma bem montada marcenaria no então Largo da Estação (ora Praça Pereira dos Santos), pedindo-lhes desenhos e orçamentos para mobiliar a projetada Escola.

Na semana seguinte, Theodomiro Carneiro Santiago embarcou para o Rio de Janeiro, onde, a bordo do transatlântico "Araguaya", partiu para a Europa. Visitou vários países e muitas escolas de formação de técnicos. O país que mais o atraiu, pelas modalidades e aperfeiçoamento do ensino e pela laboriosidade em tudo observada, foi a Bélgica. Enamorou-se da província belga de Hainaut, onde pôde contemplar grandes campos de cultura, a modernização das atividades agrícolas, a mecanização da lavoura, e foi nessa província que encontrou o melhor centro de estudos técnicos, segundo as suas preferências. Ali, na referida província, estava a aprazível cidade industrial de Charleroi, às margens do rio Sambre. Pois foi na Universidade de Trabalho de Charleroi que Theodomiro Santiago encontrou a escola que desejou tomar como modelo. E teve a felicidade de ser atendido por um cavalheiro realmente culto e obsequioso, o engenheiro Omer Beyeuse, diretor do modelar estabelecimento, que o levou a conhecer toda a Universidade, esclarecendo-o em tudo, prontificando-se gentilmente a ajudá-lo no que fosse necessário. E foi o prestimoso Omer Beyeuse quem lhe forneceu programas, estatutos, prospectos, indicação de livros, aparelhamentos indispensáveis para o início da escola em Itajubá, etc., e sugeriu-lhe nomes de abalizados professores que poderiam ser contratados, que se encontravam ali mesmo na Bélgica, na Suíça ou na França.

Theodomiro visitou ainda grandes estabelecimentos fabris, e centros industriais da Europa. E quis ainda conhecer os famosos colégios e universidades de preparatórios e de ensino superior. Estando na França, foi a Paris, onde foi recebido na celebérrima Sorbonne. Na Inglaterra. na Grã-Bretanha, visitou universidades de Cambridge e a grande Universidade de Oxford, que reunia dezenas de faculdades de variadas atividades de ensino.


Theodomiro Santiago entre quatro dos professores pioneiros do IEMI (ora UNIFEI) contratados por ele na Europa.

Foram os seguintes os professores pioneiros que Theodomiro contratou na Europa para iniciar o projetado Instituto Eletrotécnico e Mecânico de Itajubá:

1 - Vietor vou Helleputte, belga, engenheiro mecânico, diplomado pela Universidade de Charleroi;

2 - Armand Bertholet, belga, engenheiro eletricista e mecânico, diplomado pela Universidade de Liège (Bélgica). Tinha uma filha de rara beleza, Leontine Bertholet, loura, huri finamente educada, pela qual se apaixonaram muitos jovens de Itajubá, entre os quais Humberto Sanches, que seria Prefeito de São Lourenço e sogro do político Antônio Aureliano Chaves de Mendonça; e Eustáquio Carneiro Santiago, irmão de Theodomiro Carneiro Santiago;

3 - Arthur Tholbecq, belga, engenheiro eletricista, diplomado pela Universidade de Charleroi;

4 - Fritz Hoffmann, suíço, engenheiro mecânico e topógrafo, diplomado pela Academia de Zegwill (Suíça). Está sepultado em Itajubá;

5 - Arthur Spirgi, suíço, engenheiro eletricista;

6 - Pierre François Objois, francês, engenheiro e catedrático de Física e Química.

Se o leitor tiver interesse em conhecer alguns dados biográficos desses professores pioneiros da UNIFEI, suas famílias e nascimentos de seus filhos itajubenses documentados nos registros paroquiais, e outros pormenores com respeito a essa equipe histórica dos mestres europeus, poderá encontrá-los no livro intitulado THEODOMIRO CARNEIRO SANTIAGO, escrito por mim, Armelim Guimarães, e editado em 1999 com o apoio da Fundação Theodomiro Santiago e outras instituições. Nessa mesma obra consta a transcrição, na íntegra, da longa reportagem publicada no jornal "Gazeta de Notícias", do Rio de Janeiro, de 25-11-1913, a qual conta tudo o que aconteceu na viagem


Theodomiro Santiago - Bico-de-pena de Armelini Guimarães

do Marechal Hermes da Fonseca, então Presidente da República, a Itajubá, para participar das solenidades da inauguração do Instituto Eletrotécnico, que hoje é a UNIFEI. E muitos outros episódios da vida de Theodomiro estão narrados na referida biografia, que aqui não poderiam constar obviamente por escassez de espaç
Momento em que o Marechal Hermes da Fonseca (Presidente da República) e Wenceslau Braz (Vice-presidente) e várias autoridades deixavam o Instituto Eletrotécnico logo após a inauguração do Estabelecimento, hoje UNIFEI, em 13-11-1913.

Mas, antes da inauguração oficial do seu Instituto Eletrotécnico e Mecânico de Itajubá, Theodomiro, nos meados de 1913, encontrava-se em aflitiva situação financeira. Dos 600 contos de réis, somente lhe restavam os caraminguás destinados a solver os compromissos com a reforma do prédio e com os móveis encomendados. Foram momentos em que esteve apavorado com dívidas contraídas. A contratação de seis catedráticos da Europa, traze-los para o sul de Minas Gerais, e certas liberalidades obsequiosas concedidas a esses homens em Itajubá, e as despesas com a viagem empreendida no além-mar com os seus necessários rodeios pelo velho mundo, e aquisição de aparelhamentos e compêndios técnicos aconselhados pelo Omer Beyeuse acarretaram-lhe gastos que foram muito além do orçamento imaginado. E para agravar a angustiante situação, os professores Helleputte e Tholbecq passaram a exigir-lhe mais alguns aparelhos de laboratório e certas máquinas, informando que, sem esse material não teriam condições de prosseguir suas aulas, e cessaria o compromisso de ambos para com o Instituto, e assim teriam que regressar à sua pátria. Era uma instância e uma indelicada ameaça que deixaram o Educador em sobressalto. Embora sem ainda saber como pagar essa encomenda, autorizou a sua importação da Bélgica.

Recorrer ao pai, homem das patacas, porém, severíssimo em suas decisões, Theodomiro nem se atreveria a nisso pensar. O honrado e venerando varão, como se alheio aos apuros financeiros do filho que ele tanto estimava, permanecia irredutível às condições já acertadas com ele ao lhe conceder aquela polpuda soma. O Educador, nessa crucial conjuntura, expôs toda a situação a Wenceslau Braz, então o Vice-Presidente da República, seu cunhado. Wenceslau solicitou de Pedro de Toledo, então Ministro da Agricultura, Comércio e Indústria do Marechal Hermes da Fonseca (Ministério de Educação só seria criado em 1930, denominado, anos depois, Ministério da Educação e Cultura - MEC), a concessão da verba subvencional ao Instituto Eletrotécnico e Mecânico de ltajubá. Pedro de Toledo, atendendo ao pedido do Vice-Presidente, encaminhou a solicitação a Mário Carneiro, Diretor Geral dos serviços de Contabilidade do Ministério da Agricultura, para verificar a viabilidade da pleiteada subvenção. Mário Carneiro era um funcionário digno, de honestidade invulnerável, intransigente e respeitado como autoridade da "linha dura". Não lhe cabia admitir que a desejada verba pudesse ter origem desonesta, referendada que era pelo Vice-presidente, porém, achava estranho não constar em lugar algum a existência dessa escola de Engenharia, nem menções pela imprensa, nem obsequiosas concedidas a esses homens em Itajubá, e as despesas com viagem empreendida no além-mar com os seus necessários rodeios pelo velho mundo, e aquisição de aparelhamentos e compêndios técnicos aconselhados pelo Omer Beyeuse acarretaram-lhe gastos que foram muito além do orçamento imaginado. E para agravar a angustiante situação, os professores Helleputte e Tholbecq passaram a exigir-lhe mais alguns aparelhos de laboratório e certas máquinas, informando que, sem esse material não teriam condições de prosseguir suas aulas, e cessaria o compromisso de ambos para com o Instituto, e assim teriam que regressar à sua pátria Era uma instância e uma indelicada ameaça que deixaram o Educador e sobressalto. Embora sem ainda saber como pagar essa encomenda, autorizou a sua importação da Bélgica.

Recorrer ao pai, homem das patacas, porém, severíssimo em sua decisões, Theodomiro nem se atreveria a nisso pensar. O honrado venerando varão, como se alheio aos apuros financeiros do filho que tanto estimava, permanecia irredutível às condições já acertadas com ele ao lhe conceder aquela polpuda soma. O Educador, nessa crucial conjuntura expôs toda a situação a Wenceslau Braz, então o Vice-presidente da República, seu cunhado. Wenceslau solicitou de Pedro de Toledo, então Ministro da Agricultura, Comércio e Indústria do Marechal Hermes da Fonseca (Ministério de Educação só seria criado em 1930, denominado anos depois, Ministério da Educação e Cultura - MEC), a concessão d verba subvencional ao Instituto Eletrotécnico e Mecânico de Itajubá. Pedro de Toledo, atendendo ao pedido do Vice-Presidente, encaminhou a solicitação a Mário Carneiro, Diretor Geral dos serviços de Contabilidade do Ministério da Agricultura, para verificar a viabilidade da pleiteada subvenção. Mário Carneiro era um Funcionário digno, de honestidade invulnerável, intransigente respeitado como autoridade da "linha dura". Não lhe cabia admitir que desejada verba pudesse ter origem desonesta, referendada que era pelo Vice-Presidente, porém, achava estranho não constar em lugar algum existência dessa escola de Engenharia, nem menções pela imprensa, nem em arquivos públicos, nem mesmo dela tinham conhecimento os professores do Rio de Janeiro. Nenhum deles conhecia referências a esse Instituto de Minas Gerais. Com a aprovação do Ministro, ficou o engenheiro Pedro Rache encarregado de vir a Itajubá, e elaborar o relatório sobre esse estabelecimento de ensino que se lhes afigurava um fantasma. Pedro Rache era outro cidadão inflexível e de reconhecida honestidade, digno de toda confiança, e por isso, foi escolhido para essa missão.

Pedro Rache veio a Itajubá, e aqui não encontrou Instituto Eletrotécnico nenhum... O curso de Engenharia já estava sendo ministrado desde 1° de março daquele ano (1913), porém, provisoriamente numa sala do Ginásio de Itajubá, no sobradão da Praça que hoje tem o nome de Theodomiro Santiago, onde, nasceu a UNIFEI, pois o prédio do IEMI ainda estava em fase de reforma, e o mobiliário ainda não havia chegado. Pedro Rache fez constar no documento que então lavrou a inexistência do Instituto, sem considerar as aulas já iniciadas, mas não ocultou de Theodomiro o relatório que entregaria ao Ministério. Mas Theodomiro Santiago era um argumentador culto, espontâneo e inexcedível em rapidez de arrazoamentos e de raciocínios convincentes que o tornaria invencível como orador polêmico, revelando extraordinária capacidade de alterar com réplicas lógicas, prontas, esmagadoras e imbatíveis, como várias vezes em sua vida o demonstrou. Soube digladiar com Pedro Rache, levando o engenheiro gaúcho a amenizar os argumentos contidos no relatório que levou para a capital do País.

Mas, o maior opugnador a essa subvenção era mesmo o draconiano Mário Carneiro. Examinando ele o relatório de Pedro Rache, mais ainda se firmou na convicção de que seria mesmo inimaginável a concessão de verbas ministeriais para obras inexistentes. Theodomiro, mais uma vez, usou de seu verbo claro, justo e invencível em prol de seu Instituto. Com sua palavra enérgica e persuasiva, com seus argumentos lógicos e indestrutíveis, fez com que o opositor passasse a enxergar o que lhe estava sendo velado. Conseguiu o Educador itajubense a "dobrar" o inflexível Mário Carneiro. E a pleiteada subvenção foi outorgada!...

Superada a precariedade financeira, Theodomiro Santiago, com renovada exultação, passou a cuidar da inauguração do seu Instituto Eletrotécnico e Mecânico de Itajubá. Para maior repercussão em todo o País, Wenceslau Braz convidou o Presidente da República para assistir às solenidades. O prédio do início da Rua Cel. Rennó já estava reformado, pintado e mobiliado, com as aulas já nele normalmente em atividades, os laboratórios já instalados, bem como a oficina mecânica.

Era 23 de novembro de 1913. A cidade, festiva e ornamentada, com fogos e intensa curiosidade popular, recebeu o Exmo. Sr. Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca e sua comitiva, composta de inúmeras autoridades, entre as quais o famoso Pinheiro Machado, Vice-presidente do Senado, tido como caudilho; Urbano dos Santos e Bernardo Monteiro, dignos Senadores; General Luiz Barbedo, Chefe da Casa Militar do Presidente Hermes; Paulo de Frontin, Diretor da Escola Politécnica carioca e da Central do Brasil; Rivadávia Correia, Ministro da Fazenda; Barbosa Gonçalves, Ministro da Viação; Sabino Barroso, Presidente da Câmara dos Deputados Federais, e alguns Oficiais do Gabinete do Presidente da República, vários Deputados federais e estaduais, muitos jornalistas, repórteres e representantes de várias folhas da imprensa das capitais, fotógrafos, líderes políticos, etc.


A primeira turma de alunos do então Instituto Eletrotécnico e Mecânico de Itajubá (ora UNIFEI), 16 dos quais chegaram ao fim do curso.

Foi com um incidente memorabilíssimo que se inaugurou o IEMI. Tudo aconteceu na sala nobre do novo Estabelecimento, com a presença do Presidente Hermes da Fonseca e do Vice-Presidente Wenceslau Braz e outras altas autoridades. Discursava o acadêmico Bernardino José da Costa Filho, e em sua oração, salientou a eficiência da Escola de Theodomiro, a qual não facultaria aos seus engenheiros apenas um curso meramente teórico, como "águas estagnadas" (foi a comparação do jovem orador), como estava ocorrendo com as escolas brasileiras de ensino superior, mas formaria técnicos que, além da indispensável teoria, seriam profissionais com elevados conhecimentos práticos, capacitados para construir obras nos domínios da eletricidade e da mecânica, e assim serem úteis à Pátria, sem necessidade de estágios nos Estados Unidos ou na Europa. Paulo de Frontin, ousadamente, protestou enraivecido. Theodomiro Santiago, em mais alto tom de voz, rechaçou os argumentos inoportunos de Frontin, o qual não imaginaria que aqui neste cantinho do sul de Minas pudesse esbarrar com rocha oratória, com um verbo pronto, sábio e justo, que lhe estilhaçasse os iníquos e extemporâneos protestos. Só então c engenheiro da Central conheceu a Theodomiro. Conhecesse-o antes, certamente se teria calado. No Rio de Janeiro, os acadêmicos da Escola Politécnica, num misto de despeito e zombaria, passaram a criticar as asserções do aluno Bernardino e de Theodomiro, qualificando os futuros engenheiros pelo IEMI de "águias práticas". O aluno José Benedito de Oliveira (Celico). que era fino humorista, mandou imprimir uns cartões de visita, que distribuiu a colegas e amigos, em que se apresentava como "Águia Prática"...

Na minha já citada biografia intitulada THEODOMIRO CARNEIRO SANTIAGO, editada em 1999, ofereço uma narração minuciosa dos festejos da inauguração do IEMI e do tumultuado incidente Frontin-Theodomiro, inclusive cito os nomes de todas as senhoritas de nossa sociedade (quase 30) que, na escadaria do palacete de Wenceslau Braz, prestaram carinhosa homenagem ao Marechal Hermes da Fonseca, ali recebendo-o com uma chuva de pétalas de rosas. E historiei as primeiras décadas da vida do Instituto, chegando aos instantes em que a Escola de Theodomiro passava por séria crise financeira, quando já falecido o fundador, e era divisada a iminência de desaparecei- o Estabelecimento, o qual realmente teria chegado ao seu ocaso não fosse a ajuda monetária vultosa de Vidal Dias, de João e de José Braz Pereira Gomes, e dos esforços parlamentares de José Rodrigues Seabra. Mesmo assim, ainda ficou perigando o Instituto Eletrotécnico de Itajubá, e perigando esteve até ao dia 30 de janeirode 1956, que foi o último dia de Governo do Presidente da República Nereu de Oliveira Ramos. Pressionado pelo Deputado Federal José Rodrigues Seabra (Engenheiro pelo IEMI, com a 1° turma), que permaneceu ao seu lado no Palácio do Catete, no Rio, Nereu sancionou a Lei n° 2.721, que federalizou o IEI. Estava, assim, final e definitivamente salva a Escola de Theodomiro Santiago! Se Nereu não assinasse a Lei referida, orado estaria o Instituto Eletrotécnico, pois, no dia seguinte, 31 de janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek assumiria a Presidência com a premeditada decisão de não liberar verba nenhuma que desfalcasse o Tesouro Nacional, pois queria todo o dinheiro para a construção de Brasília...

Voltemos, porém, aos dias da mocidade do Educador. Em 7 de setembro de 1914, Delfim Moreira da Costa Ribeiro assumiu o Governo de Minas Gerais. Grande admirador de Theodomiro Santiago, em quem depositava irrestrita confiança, convidou-o para assumir a Secretaria das Finanças do Estado. Aceitando o cargo, nosso conterrâneo confiou interinamente a direção do Ginásio e do IEMI a competentes auxiliares, e partiu para Belo Horizonte. Lamentou encontrar na Secretaria inúmeras irregularidades, evidentes e criminosas fraudes e berrantes provas de pirataria, que envolviam escandalosos sumiços de dinheiro. Porém, o que mais sobremaneira o indignou era o que estava ocorrendo com o custeio da construção e embelezamento do suntuosíssimo e luxuoso Cassino de Lambari, com liberações "de mão beijada", de altas verbas que vinham sendo concedidas com o assentimento de seu antecessor. O contratante dessa "pepineira" (expressão de um jornalista) era o engenheiro Américo Werneck, que pretendeu justificar esse gasto do cofre estadual, lembrando que a estância lambariense de atrações, de repouso e de hidroterapia sobremodo contribuiria para tomar Minas Gerais em uma admirável e aprazível região turística do Brasil. Foram alegações que não iludiram o novo Secretário das Finanças, que bem compreendeu que, na realidade, Werneck não estava tão ambicioso em tornar as excelentes e miraculosas águas lambarienses compatíveis com as celebradas nascentes estrangeiras de Aix-la-Chapelle, Vichy, Seltz, Pougues, Caldas da Rainha e tantas outras. Esse turismo por meio das "águas virtuosas" não passava de mero engodo para poder enfiar a mão na Arca das Alterosas. Theodomiro compreendeu logo que todo o intuito de Américo Werneck estava mesmo no "pano verde", em tomar Lambari em outra Las Vegas, em outro Monte Carlo, em uma outra Atlantic City... E por isso o Cassino foi enriquecido com preciosas e as de arte, com cortinas de seda finíssima, com decorações.


O grande e suntuoso Cassino de Lambari, cuja construção e embelezamento marearam um dos mais notáveis episódios da vida de Theodomiro Santiago, cuja honradez e civismo levaram-no a mover rumoroso processo contra essa obra, fazendo atuar a Rui Barbosa, advogado que ele constituiu, levando a causa a julgamento do Supremo Tribunal da Justiça.

Descreve Roberto Capri em seu livro ESTADO DE MlNNAS GERAIS, 1918: "Dispõe esse edifício de amplos salões para bailes, concertos, festas, leituras e diversões. A sua decoração é deslumbrante. No salão principal, decorado à japonesa, estão artisticamente dispostos pelas paredes 16 quadros orientais autênticos, de legítimo charão, representando as quatro estações do ano e os doze meses do ano. Pannaux, de seda, estatuetas de gueixas, musmês, jarros, espelhos incrustados de madrepérola e ônix, leques, pára-sóis e dragões dourados se admiram pelas paredes e pelos tetos. Nos quatro ângulos ficam os salões destinados aos jogos". Cronistas, entre os quais Élcio Vieira ("Jornal Popular" de 05-10-1928), João Maurício Rodrigues ("O Globo" de 15-12-1988) e outros citam objetos de arte e riquezas já desaparecidas do Cassino de Lambari, como bambolins de seda da Pérsia, ricos tapetes bordados de Esmirna e de Marrocos, os finíssimos vasos ornamentais de biscuit e de opalina vindos da Dinamarca, as grandes jarras decorativas importadas da China, os "deslumbrantes móveis de fabricação européia", os "quadros de fundo de lacampreta com gaviões de marfim e madrepérola que ornavam o Salão Japonês, os lustres de cristal, abajures e lindíssimos candelabros de prata fabricados na França especialmente para a Las Vegas lambarienses, os relógios artísticos de procedência suíça, de pêndulo e outros de mesa, estilo Luiz XV..

Pois todo esse luxuoso e onerosíssimo material, e o majestoso e belíssimo edifício do Cassino de Lambari, estavam custando "os olhos da cara" para o tesouro estadual. Integérrimo e corretíssimo em todos os atos, não seria Theodomiro Santiago quem iria concordar com tão insensato procedimento de seu antecessor. Eram despesas desonestamente permitidas para antros de jogatinas, que dariam para a fundação e manutenção de colégios, educandários, orfanatos e creches. Assim pensando, indignado e ferrenhamente hostil a tolerâncias prejudiciais ao Estado e ao povo, o Educador itajubense decidiu sustar as continuadas e polpudas subvenções para o Monte Carlo sul-mineiro. E pretendeu anular judicialmente o contrato existente entre a Secretaria das Finanças e Américo Werneck. Historiou o que estava acontecendo, ilustrou as informações que redigiu com várias fotografias, e oficialmente confiou o processo ao mais acreditado e respeitado causídico de então, o erudito Rui Barbosa, a famosa Águia de Haia!

E o processo. Por encaminhamento de Rui Barbosa, subiu ao Supremo Tribunal Federal, acompanhado da sábia e bem fundamentada argumentação elaborada pelo imenso advogado baiano.

Porém, apesar de os exatos e incontroversos argumentos de Rui Barbosa serem tão bem alicerçados com as leis e os ditames da Justiça, a decisão do Supremo Tribunal foi contrária ao ajuizado, moralizante e patriótico propósito da Secretaria de Finanças de Minas Gerais!... Américo Werneck tinha "as costas largas", e o Supremo Tribunal Federal enxergou mais brasilidade na roleta, no lansquenê, no black-jack, no bacará sobre o pano verde do que na aplicação do dinheiro do Estado em obras justas em benefício do povo...

Theodomiro estava no Rio de Janeiro quando recebeu a notícia de que a alta corte da Justiça dera-anho de causa a Américo Werneck. Sentiu-se desolado, decepcionado com a decisão desfavorável dos Ministros do Supremo. Imediatamente telegrafou ao Governador mineiro confessando estar descrente da Justiça brasileira, sentindo-se, desta maneira, sem garantias para exercer com honestidade e lisura qualquer cargo administrativo e, por isso, pedia a demissão do cargo de Secretário das Finanças de Minas Gerais.

Delfim Moreira não aceitou o pedido de Theodomiro. Demiti-lo, nunca! Queria-o em todo o tempo de sua gestão no leme das Alterosas. E o Educador itajubense, não desejando contrariar nenhuma ordem de seu amigo, a quem muito admirava, retomou a Belo Horizonte, e não se afastou da Secretaria das Finanças. E Rui Barbosa, mais tarde, que bem conheceu a hombridade de Theodomiro Santiago, assim se expressou referindo-se ao nosso saudosíssimo conterrâneo: "Ele é um caráter tão puro que a própria República não poderia corrompê-lo".

Na atuação de Theodomiro na Secretaria das Finanças, não cabe ficar esquecida a sua viagem à França a serviço das finanças mineiras. Foi a 2ª viagem que ele realizou no exterior, em sua vida (1ª para contratar professores; a 3°, seria a do exílio). Desta vez, partiu ele para a Europa para, em Paris, resolver sérios problemas com as dívidas de Minas Gerais. E saiu-se brilhantemente com os credores franceses, deixando normalizado e em dia o cofre estadual. Foi uma viagem perigosa, pondo em risco a sua vida, pois eram então freqüentes os combates navais travados entre navios canhoneiros e torpedeiros das esquadras de nações beligerantes da Primeira Grande Guerra.

Exercia ainda o Educador o cargo de Secretário das Finanças quando decidiu casar-se, o que ocorreu em 7 de janeiro de 1917, fazendo coincidir a data com o dia e o mês em que se uniram os seus pais. A noiva foi D. Maria Josefina Guatimosim (Dona Mary, como assim era chamada na intimidade), filha do Marechal Henrique Guatimosim Ferreira da Silva (carioca) e de D. Olympia Abbot Guatimosim (gaúcha de São Gabriel). Realizaram-se as núpcias na Basílica Nacional de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida-SR Foram padrinhos da noiva, no ato religioso, os seus pais, e, no civil, o Tenente Luiz Borges Fortes e a Senhora Diná Borges Fortes; do noivo, no ato religioso, os seu pais, e, no civil, Delfim Moreira da Costa Ribeiro, então Governador de Minas Gerais, e D. Maria Carneiro Pereira Gomes, esposa de Wenceslau Braz Pereira Gomes, então Presidente da República, e irmã do noivo. E nada de bailes, nada de discursos, nada de banquetes suntuosos, nada de luxo, nada de aglomeração social, nada de foguetes! Assim quis o noivo. Houve do casal três filhos: Marcelo Theodomiro, João Henrique e José Mário. As suas noras, os seus netos, as famílias, enfim, de seus rebentos (os três lamentavelmente já desaparecidos).

Terminado o Governo estadual de Delfim Moreira, e, portanto, também o seu desempenho corno Secretário das Finanças, Theodomiro iniciou sua carreira parlamentar, abraçando, de vez, a política. Tornou-se Deputado Federal, e Deputado seria até aos seus últimos dias, passando a residir no Rio de Janeiro, onde, mais tarde, sem abandonar sua cadeira na Câmara Federal, assumiu a diretoria do Banco Mineiro do Café. Construíra sua residência em Itajubá, na Rua Silvestre Ferraz, perto da casa de seus pais. Pretendia aqui passar a velhice, junto aos seus conterrâneos, mas a sorte lhe foi adversa. Theodomiro não conheceu a velhice! Vinha sempre a Itajubá em visita aos pais, que residiam na velha mansão da Praça Adolfo Olinto. O Instituto Eletrotécnico, que ficava sob a chefia de Vice-Diretor, infundia-lhe, ao mesmo tempo, urna grande satisfação como também uma preocupação. Via a necessidade de trabalhar para melhorar a Escola que fundou. Projetava demolir o casarão em que ela foi instalada, e tinha pronta a planta do belo e moderno edifício que levantaria no mesmo lugar.

Foi com a sugestão e orientação de Theodomiro Santiago que D. Maria Carneiro, sua irmã e esposa de Wenceslau Braz, herdeira que era dos sentimentos de humanitarismo e do autêntico altruísmo de sua mãe, organizou uma comissão encarregada de solicitar auxilio financeiro a grandes capitalistas do País para a construção do Asilo Santa Isabel, fundado para amparar meninas desvalidas. Esse Asilo foi constituído junto à Santa Casa de Misericórdia. Foi inaugurado em 20 de junho de 1921, e confiado ao zelo e direção das Irmãs da Providência. Era edifício construído com a mesma planta do Asilo Nossa Senhora da Soledade, na Vila Lúcia, para amparo dos velhos, no qual o 4° Batalhão de Engenharia esteve provisoriamente alojado (1921-1925). Ambos esses edifícios já não existem. Falecida D. Maria Carneiro em 1925, e Wenceslau em 1966, desaparecido também foi o Asilo Santa Isabel, que educou e deu arrimo a muitas meninas desamparadas, quase todas órfãs, tiradas das ruas pelas Irmãs, e que se tornaram ótimas esposas, habilitadas em todos os trabalhos domésticos. Foi instituição que existiu por mais de 20 anos, e que teve como mentor o estrênuo realizador Theodomiro Carneiro Santiago. E muito pouca gente sabe disso. Lamentavelmente Itajubá já não tem o Instituto Dom Bosco e o Asilo Santa Isabel, meninas-dos-olhos do humanitário Educador!...

Ambicionando obter os recursos financeiros para ampliar as instalações do seu Instituto, inclusive demolir o velho prédio do início da Rua Cel. Rennó, e, em seu lugar, levantar o novo edifício, Theodomiro Santiago se atirou a outras atividades de trabalho: Deputado Federal, Diretor do Banco Mineiro do Café, e, agora, também se tornou empresário. Com a herança que lhe coube (o pai faleceu em 10-03-1931 e suas próprias economias, fundou a Companhia Santa Fé S.A. destinada a realizar obras de grande importância para a urbanização do Rio de Janeiro. Inicialmente, a firma se comprometeu a arrasar o morro Santo Antônio, no centro da cidade, para o que encontrou todo o apoio do Prefeito-lnterventor Adolfo Bergamini, que lhe garantiu legalmente a propriedade do imóvel e o contrato para a terraplenagem. A obra foi feita com caríssima e estafante mão-de-obra. Bergamini solicitou do Governo a compra de toda a área planificada e a indenização devida à Companhia Santa Fé S.A. do desmonte, conforme rezava o contrato. Porém, José Américo de Oliveira, Ministro da Viação e Obras Públicas, apresentou a Getúlio Vargas a demonstração documentada de que essa compra era incabível, pois o morro Santo Antônio já era, havia muito tempo, uma legítima propriedade da União!... A recusa de Getúlio Vargas a esse pagamento foi um golpe desastroso para as finanças de nosso conterrâneo. Indignado, como era natural, publicou ele na folha carioca "Diário da Noite", na edição de 27-04-1932, o protesto contra a decisão do Presidente da República. Na biografia de Theodomiro, de minha autoria, que venho citando, transcrevi, na íntegra, nas págs. 200/202, as sensatas e justas ponderações do Educador conterrâneo. Menos de três meses depois, em 9 de julho, teve início, em São Paulo, a Renovação Constitucionalista, que derramou muito sangue, cujo escopo era afastar Getúlio Vargas do poder. Theodomiro uniu-se aos revoltosos.

Fracassada a reação belicosa contra o ditador, em 31 de outubro de 1932 o Comandante do 4° Batalhão de Engenharia recebeu a ordem ministerial de levar Theodomiro Santiago preso para o Rio de Janeiro. O Comandante da Unidade estava interinamente confiado ao Capitão Alberto Masson Jacques, Oficial distinto e culto, que foi sozinho à casa de nosso conterrâneo, dispensando acompanhante e qualquer aparato de força. Notificado do que ocorria, disse-lhe Theodomiro:

- Estou à sua disposição. Sou seu prisioneiro.

- Não o considerarei tal! - protestou cortesmente o honrado militar. - Apenas será o senhor o meu companheiro de viagem, a quem respeito e muito admiro.

Theodomiro Santiago partiu para o exílio, com outros revolucionários ilustres, a bordo do navio "Siqueira Campos", desembarcando em Lisboa em 18-11-1932. Houve amigos e admiradores influentes que trabalharam para o fim de seu injusto degredo, e, no ano seguinte, viajando pelo transatlântico "Capitão Arcona", chegou ao Rio de Janeiro em 09-03-1933, e a Itajubá no dia 15, quando aqui foi recebido na estação ferroviária com banda de música, fogos festivos e intensa alegria e vibração popular, tendo uma compacta multidão de conterrâneos acompanhando a viatura que, lentamente, o levou até ao lar.

Theodomiro Carneiro Santiago faleceu no Rio de Janeiro em 25 de outubro de 1936, aos 54 anos de idade. O féretro partiu do Edifício Guarujá, em Copacabana, onde residia para o cemitério São João Batista, acompanhado de altas autoridades do âmbito federal, de Minas Gerais e os representantes de Itajubá. À beira do túmulo falaram alguns oradores, entre os quais o Deputado João Beraldo, em nome da Câmara Federal, e Gentil França, que representava o Banco Mineiro do Café.


Fac-simile reduzido pela metade da "Gazeta de ltajubá", n° especial de dezembro de 1912, com a qual o Prof. Pedro Bernardo Guimarães, seu redator, noticiava o regresso de Theodomiro Santiago da Europa, aonde fora contratar os primeiros professores para o IEMI, e adquirir os primeiros laboratórios.

O Rotary Club, por feliz iniciativa do Prof. João Baptista Ricci, procedeu à exumação, na necrópole carioca, dos restos mortais de Theodomiro Carneiro Santiago, chegados a Itajubá em 21 de junho de 1964, data em que a urna de granito, com os respeitáveis despojos do Educador, foi depositada no mausoléu de mármore que se encontra no térreo do velho prédio do IEMI, na Rua Cel. Rennó. O orador da solenidade foi o advogado José Pinto Rennó. Em nome da família, falou Marcelo Theodomiro Santiago, filho do homenageado. Presentes estavam à viúva do Educador, o Arcebispo D. José d’Ángelo Neto e outras altas autoridades.

D. Maria Josefina Guatimosin Santiago (Dona Mary), esposa de Theodomiro, nasceu em 19-03-1899, faleceu no Rio de Janeiro em 26-09-1992. Foi sepultada no cemitério São João Batista.

Theodomiro Carneiro Santiago, de volta do exílio, e sua esposa, são festivamente recebidos na estação ferroviária de Itajubá em 15-031933.
Monumento a Theodomiro Santiago, construído no jardim do antigo prédio do IEMI.
Mausoléo de Theodomiro Carneiro Santiago numa das salas da Escola Federal de Engenharia, no prédio antigo.

Fonte: Historiador Itajubense José Armelim Bernardo Guimarões.


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